Responsabilidade tributária

Existem certas discussões jurídicas que causariam espécie até ao despreocupado Herr Huld, o advogado do romance kafkiano "O Processo", se a realidade não as impusesse à necessária consideração de todos. E uma dessas discussões é a possibilidade de incidência tributária, mediante responsabilidade do transportador, na hipótese do roubo da carga sob condição de trânsito aduaneiro.
Ressalta que o trânsito aduaneiro, capitulado no artigo 315 do Regulamento Aduaneiro, e que prevê, após o desembaraço de uma mercadoria estrangeira, a possibilidade de suspensão dos tributos incidentes na sua importação, enquanto o bem importado esteja em trânsito no território aduaneiro.
Nesse situação, a transportadora fica responsável pelo recolhimento dos tributos suspensos, nos termos do artigo 136 do CTN, C/C. com o artigo 32, inciso I do Decreto-Lei 37/66. Não obstante, os artigos 60, do mesmo Decreto-Lei 37/66 e o artigo 664 do Decreto 6.759/09, preveem excludentes dessa responsabilidade, nas hipóteses em que a mercadoria transportada sofre danos, avarias ou é extraviada, competindo ao responsável (transportadora) provar a ocorrência de caso fortuito ou força maior.
No julgamentos realizados pelo Carf, assim como precedentes do STJ a respeito do tema. Em regra, a questão aqui tratada apresenta as seguintes circunstâncias fáticas: uma transportadora discute a sua responsabilidade tributária na hipótese em que transporta mercadorias sob trânsito aduaneiro e que, durante esse deslocamento, são objeto de furto ou roubo.
O Acórdão Carf nº 3401-008.681, por exemplo, parte da premissa quanto a existência de uma distinção entre caso fortuito interno e externo. O primeiro seria um risco inerente a consecução da atividade empresarial, enquanto o segundo seria algo completamente alheio a tal atividade. Com base em tal distinção, inexistente na lei, a turma julgadora, por unanimidade de votos, concluiu que somente nas hipóteses de caso fortuito externo seria excluída a responsabilidade da transportadora, arrematando suas considerações nos seguintes termos:
"...Se a violência nas estradas é circunstância de conhecimento geral, não haveria como se alegar que, máxime para uma empresa transportadora, o roubo de carga é um fato imprevisível e cujos efeitos seria impossível evitar. Como é cediço, há meios para se conferir maior segurança ao transporte e, consequentemente, minimizar os riscos do evento e, caso se concretize, seus efeitos".
Seguiu o entendimento a decisão proferida pelo Carf no Acórdão Carf nº 9303-007.712 que, por maioria de votos, também conclui pela manutenção da responsabilidade da transportadora, ao fundamento de existir uma distinção entre caso fortuito interno e externo. No mesmo diapasão: Acórdãos Carf nº 9303-008.382 [8] e nº 9303-006.478.
Tais decisões, todavia, não são uma invenção do Carf, mas, sim, uma repetição de um antigo — e já superado — julgado do STJ (REsp nº 1.172.027/RJ)
Contudo o entendimento superado pelo próprio STJ, que, em casos mais recentes, passou a tratar o roubo como situação subsumível ao conceito de caso fortuito para afastar a incidência de tributos, mais particularmente para afastar a incidência de II.
Então os precedentes administrativos aqui analisados, divorciados da realidade fática e descolados da atual jurisprudência vinculante do STJ, situações como o roubo de cargas ou acidentes de trânsito a implicar a avaria da mercadoria transportada, não se enquadrariam no conceito de caso fortuito, o que nos remete então a seguinte indagação:
quais seriam as hipóteses de caso fortuito aptas a afastar a responsabilidade da transportadora na situação aqui estudada?
Se o entendimento do tribunal administrativo for levado ao extremo, só seriam excludentes de responsabilidade situações teratológicas, como o extravio da carga em razão da sua abdução por extraterrestres ou, quem sabe, na hipótese das mercadorias transportadas serem avariadas em razão de um maremoto nas estradas de Minas Gerais.
Nesta discussão, a suscitar uma pretensa diferença entre caso fortuito interno e externo, são afirmações retóricas depreendidas dessas decisões no sentido de que o roubo de carga no país é uma situação corriqueira e, portanto, "previsível", o que imputaria ao transportador o ônus, inclusive econômico, de impedir essa ocorrência. Diriam: "Transportador de bem não trafega na rodovia 'X', tão mal frequentada! Se andou lá, é porque queria ser assaltado!"...